sexta-feira, 5 de junho de 2009

ABE ...O QUE FAZ O GOVERNO NACIONAL EM PROL DA NOSSA INDÚSTRIA? NADA!

Amigos li este texto na Enoteca e também num outro fórum se não me engano é Forum Eno-gastronomico, repassando, pois em palavras esclarecedoras faz um resumo do universo do vinho no Brasil e também uma explanação ao 'descaso' dos governos com o setor.

Vale para uma profunda reflexão para quem desconhece o assunto ou o meio onde, nós trabalhadores do vinho nacional, estamos inseridos...

Costuma-se atribuir ao empresário nacional a fama de chorão e na maioria das vezes os políticos, em qualquer uma das esferas de governo, recebe-os preconceituosamente, inclusive menosprezando os seus apelos, ou talvez atendendo aos pedidos daqueles que os apoiaram durante as campanhas eleitorais.

Pior ainda, o empresariado nacional é acusado de ladrão, de explorador do consumidor, enfim o vilão da história. Vou tentar demonstrar neste texto a realidade do setor produtor de uva e vinho nacional. Uma história, que não é estória, e muito menos conto da carochinha.

Para tanto, devo começar do começo, ou seja, da origem da riqueza, no meu caso, ou melhor, na minha história, ela começa pelo produtor de uva da Serra Gaúcha. O PRODUTOR DE UVA O nosso produtor rural representa um grupo de aproximadamente 15.000 famílias tendo particularmente uma propriedade média não superior a 2 hectares. Normalmente terras com tamanha declividade são impróprias para muitas outras culturas e requerem grande demanda por mão-de-obra, e quase sempre, acabam tornando-se uma boa forma de sustentabilidade.

Esse grupo, como se verá mais adiante, corre sérios riscos de vir a ter grandes dificuldades no futuro. Em iguais condições, de terrenos acidentados, diversas cidades da Europa recebem subsídios da UNESCO e da Comunidade Européia para não virarem cidades fantasmas, pois o custo de produção nessas condições requer oito vezes mais horas de trabalho, portanto, não são competitivos sequer com as regiões planas no mesmo continente.Essas cidades e países formaram uma associação dos produtores de vinhos de montanha para promoverem e preservarem fatores sociais, culturais e econômicos.

Desde 1996, quando participei de um Congresso Internacional promovido pela OIV na África do Sul, venho alertando as lideranças e autoridades sobre o fato. CABE LEMBRAR QUE A SERRA GAÚCHA É A ÚNICA REGIÃO PRODUTORA DE UVAS E VINHOS DA AMÉRICA LATINA QUE APRESENTA AS MESMAS CARACTERÍSTICAS DESSAS CIDADES EUROPÉIAS. Não devemos esquecer que o produto dessas famílias gera uma riqueza muito maior do que a renda por elas produzida. Afinal, eles devem adquirir alimentos, roupas, etc. no mercado, o que fomenta o comércio, a saúde, a educação, bem como fazem a indústria vinícola empregar um grande número de trabalhadores. Esta gente, dependente dos caprichos da natureza, é habituada a poupar e como sabemos, a poupança é fundamental para um país que precisa investir para gerar empregos e riqueza.

Poucos sabem que a poupança no país que mais cresce nos dias de hoje é a da China, que representa 40% de seu PIB, ou seja, a soma de tudo aquilo que eles produzem. Graças aos produtores rurais médicos são consultados, professores são contratados e assim por diante. Mas esses produtores também precisam de treinamento e capacitação.

Por isso, existem entidades como a Embrapa, Emater, etc. Será que estes produtores, que também pagam impostos, estão recebendo do governo a devida contrapartida? Vocês sabem como são a maioria das escolas rurais? São aquelas que contam com professor mono-docente, isto é, um professor leciona para crianças da 1ª à 5ª série do 1º grau numa mesma sala de aula.

Recebem os pequenos produtores rurais das entidades para isto criadas, capacitação e treinamento para tirarem um melhor sustento de pequenas áreas? Além de alimentarem o sistema, ou melhor, a circulação de dinheiro na nossa economia, e com isso, gerarem riqueza, são eles que fornecem a matéria-prima às vinícolas (entre nós, cantinas) que se transformará, segundo Pasteur, na mais sã e higiênica das bebidas. AS VINÍCOLAS Trata-se, em sua grande maioria, de um grupo de pequenas empresas e algumas cooperativas que recebem toda a uva desses produtores e a transformam em sucos, vinhos e espumantes (praticamente, nem mais o conhaque e alguns vermutes são feitos com base em vinho).

Estas empresas colocam a sua produção no concorrido mercado globalizado e pagam impostos que chegam a aproximadamente 50% do seu faturamento, ou seja, metade do valor do produto e, depois, o vinho nacional é taxado de caro. Portanto, é importante lembrar: para cada garrafa de vinho nacional aberta, a metade de seu valor vai para os governos.Um vendedor de uma loja de discos compactos (CD) disse-me que apoiava a pirataria. Contestei sua posição, pois, se o CD fosse, por exemplo, do nosso Ministro da Educação, o nosso querido Gilberto Gil, sabia ele me responder quanto o Gil receberia por CD vendido? Gil, o criador de tudo, provavelmente, não chegaria a receber 5% do valor do produto vendido na loja, mas, provavelmente, metade daquele valor iria parar nos cofres públicos.

Dias depois saiu uma nota no Jornal do Comércio, de Porto Alegre, informando que 70% dos vinhos importados e consumidos na China são pura pirataria.Muito mais entraves enfrentam as vinícolas brasileiras em registros nos ministérios e o seguimento a normas por eles impostas, bem como a legislações estaduais de recolhimento antecipado de impostos como o ICMS. Para se modernizarem com novas tecnologias ou para usarem barricas de carvalho francês, que também não são fabricados no país, estes normalmente enfrentam custos de 60 a 100% acima daqueles praticados no Mercosul ou na Europa.

Pior, o governo não disponibiliza qualquer financiamento com juros razoáveis e, se compararmos com os custos e com as benesses que são praticados nos outros países produtores de vinho no mundo, verificamos que a diferença que nos separa é um caos total. OS FORNECEDORES DE INSUMOS PARA A VITI-VINICULTURA Muitos dos insumos utilizados pelas vinícolas são importados e dependem de importadores. A rolha de cortiça é o melhor exemplo. Não há cortiça no Brasil e, assim mesmo, a importação de rolha deve pagar 10% de imposto de importação. Barrica de carvalho apresenta o mesmo problema.

Fermentos selecionados igualmente, e praticamente toda a tecnologia hoje disponível segue o mesmo exemplo. Estes importadores de insumos, fornecedores das vinícolas, pagam altos impostos de importação, além de uma pesadíssima carga de taxas e custos portuários, bem conhecidos como o Custo Brasil.
Não queremos culpar os vinhos importados por nossas dificuldades, mas como poderemos competir com países em que:
- o vinho é considerado como produto da cesta básica;
- tem uma carga tributária em sua maioria inferior a 25% do valor do produto, metade da carga tributária brasileira;
- oferecem subsídios às exportações;
- financiam equipamentos para vinícolas com juros baixíssimos, não mais de 4 % a.a. e muitas vezes a fundo perdido;
- o custo seco (caixa, garrafa, rolha, cápsula, rótulos, etc.) chega a ser entre 50 a 100% mais baixo do que o custo no Brasil;

Nesse ponto, gostaria de fazer uma queixa a alguns experts em vinho, formadores de opinião e a alguns consumidores. Estes exigem de nossos produtores de vinhos finos o uso de rolhas de qualidade muito superior àquela necessária, enquanto aceitam vinhos importados com rolhas aglomeradas, ou 1+1 (aglomeradas com discos naturais nas extremidades) e, inclusive, rolhas sintéticas, mas isto é assunto para outro momento.- há propriedades enormes, acima de 700 ou mais hectares, contra propriedades com não mais do que 2 ou 3 hectares entre nós, cujo custo de produção chega a ser, em alguns casos, 10 vezes superior ao dos grandes produtores (conheço um produtor argentino que formou um vinhedo de 4.000 hectares a troco de ICMS, incentivo dado pela província de San Juan). - seus bancos financiam exportações de 180 a 360 dias e esses prazos são repassados aos importadores/supermercados.

Qual juro deveria praticar o fornecedor brasileiro para poder vender nessas condições? - já não bastassem tantas facilidades e atrativos, mais o jeito de ser (estrangeirófilo) de muitos brasileiros, um restaurante consegue aqui triplicar ou quadruplicar o preço de um vinho importado, enquanto tem dificuldades para duplicar o preço do nacional (Se você fosse dono de restaurante, qual vinho escolheria para por em sua carta?).

Também merece este tema uma abordagem no futuro. Nosso assunto não é a Embratel, mas como bem disse Carlos F Jereissati, em artigo na revista Exame de 12/05/04: O empresário brasileiro, esse dinossauro, consegue milagres. Submete-se a uma das cargas tributárias mais altas do mundo, certamente a maior entre as economias emergentes, e ainda enfrenta concorrência desleal da economia informal ? palavra suave para descrever o mundo dos negócios ilegais. Para o quadro ficar completo, o país tem taxas de juros reais recordes no mundo, sem falar no cipoal de regras e mandamentos da burocracia.

O QUE FAZ O GOVERNO NACIONAL EM PROL DA NOSSA INDÚSTRIA? NADA. Para satisfazer o padrão de consumo da maioria dos brasileiros, de certo modo, até oficializou a fraude, permitindo a fabricação de produtos como o AGRIN, que substitui o vinagre puro de vinho, por uma porcentagem deste misturado a vinagre de álcool de cana (muito mais barato). Também misturas de vinho com sabores, vermutes sem vinho na composição, conhaques, isto mesmo, com qualquer álcool, menos aquele originado da destilação de vinho.

Não sou contra a fabricação desses produtos. É típico de um país de baixa renda e de pouca cultura em relação ao vinho. Estes produtos deveriam ser fiscalizados melhor. Entendo que os produtos puros deveriam ser mais valorizados, o vinho é fruto de um agro-negócio, que deveriam ser beneficiados com impostos mais baixos, pois são os verdadeiros criadores da riqueza. Muitos Consulados e Embaixadas brasileiras no exterior não servem vinho nacional em seus eventos e isto também ocorre seguidamente em eventos promovidos pelo Planalto. Nos Estados Unidos, ao contrário, isto é lei, só vinho nacional.

O suco de uva, produto de alto valor alimentício, com estudos científicos que comprovam seus benefícios, poderia ser introduzido na merenda escolar, mas na hora da licitação, concorre com refrescos, vejam bem: REFRESCOS! O Rio Grande do Sul fez alguma coisa. Repassa ao setor através do IBRAVIN recursos do ICMS, mas as somas repassadas são mínimas e muitas vezes são utilizadas para executar tarefas que deveriam ser custeadas pelo Ministério da Agricultura, como o Cadastro Vitícola, mas também pratica dupla fiscalização através da Secretaria da Agricultura, enquanto o mesmo não ocorre em outros estados.Sabemos que há problemas estruturais, uma vez que o preço pago aqui pelo kg de uva é 5 a 10 vezes superior à média mundial. Soluções para estes problemas só virão a ocorrer com a união dos governos e dos operadores do setor vitivinícola, a fim de otimizar custos, divulgar o produto da nossa gente e investir no turismo, aliás, de fundamental importância para um crescimento sustentado.

No entanto, se não houver uma intervenção do governo, promovendo um crescimento sustentado e ecologicamente correto e capacitando nosso produtor rural é melhor utilizar a sua propriedade e mantê-lo no meio rural. Este será mais um candidato ao êxodo rural, a procurar por emprego nas cidades, engordando a massa de desempregados.

Não queremos favores, queremos apenas igualdade de condições para poder competir neste mundo globalizado com dignidade. Caso contrário terá de se seguir o exemplo do vendedor da loja ou o de alguns chineses. Ou, se voltarmos no tempo, será possível verificar que hoje estamos enfrentando os mesmos motivos que levaram os revolucionários Farroupilhas a lutar pela independência da província, quando o charque proveniente do Uruguai chegava mais barato à capital do Império do que aquele gaúcho, com forte carga tributária.

Ou quem sabe, devemos ser novamente colônia de Portugal, quando o Movimento da Inconfidência Mineira foi instaurado porque a coroa queria cobrar 20% sobre o ouro recolhido no território das Minas Gerais. Deixemos claro, o que hoje vivemos não é culpa de um governo, mas de décadas de desgoverno deste país, onde só se administra as conseqüências, a fim de se amenizar os problemas e jamais se ataca às verdadeiras causas de nossa estagnação (que também merece nossa análise oportunamente).

Para reflexão, sito como exemplo o Brasil, campeão mundial de reciclagem de latas de alumínio. Atrás dessa grandiosidade está a quantidade enorme de brasileiros que dependem de catar latinhas para sobreviver. O Brasil - Campeão de Reciclagem - é a conseqüência da causa: a miséria de grande parte do povo brasileiro.Bento Gonçalves, 26 de maio de 2004.

Werner Schumacher Economista e Empresário
Conselheiro da ABE Associação Brasileira de Enologia Sócio-fundador e Presidente da APROVALE - Assoc. dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos Vice-Presidente da ABRAFIV - Assoc. Brasileira dos Fornecedores de Insumos e Equipamentos para o Setor Viti-Vinícola.

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