Flores da Cunha – Consultor de uma vinícola da Serra e professor convidado da Escola de Gastronomia UCS-ICIF, o jornalista e sommelier italiano Roberto Rabachino é um velho conhecido do setor vinícola da região. Responsável pelos programas internacionais da Federazione Italiana Sommelier Albergatori Ristoratori (Fisar), ostenta entre os inúmeros títulos e premiações o feito de ter sido eleito por duas vezes (1992 e 1996) o melhor sommelier do mundo.
No último final de semana, ele abriu os cursos de degustação de vinhos oferecidos durante a Fenavinho. Neste sábado, ele participa de um almoço de confraternizaçã
Em sete anos de vindas constantes ao país, Rabachino se declara um grande promotor do vinho brasileiro de qualidade. Tanto que, no inverno do ano passado, escolheu Caxias do Sul para o lançamento de seu 24º livro, o Manual Didático para o Sommelier Internacional: para Saber os Sabores do Vinho. A publicação, com tradução em oito idiomas, traz um capítulo sobre a produção brasileira de vinho. O tema chegou a ganhar espaço maior que o dedicado ao Chile e à Argentina. Na ocasião, concedeu uma entrevista ao Pioneiro na qual avaliou a vitivinicultura nacional e falou sobre o perfil do consumidor brasileiro da bebida.
Deguste a seguir o bate-papo com o especialista.
Pioneiro: O senhor faz assessoria para uma vinícola da Serra, tal qual o enólogo francês Michel Rolland. Entretanto, ele não poupa críticas à produção nacional de vinhos, em especial ao vinho de mesa. Qual sua avaliação do vinho brasileiro?
Roberto Rabachino: Tenho uma ideia muito precisa da produção de vinhos no Brasil devido aos sete anos de vindas ao país. Acompanhei toda a evolução pelo qual passou o vinho de qualidade. O enólogo francês, em parte, tem razão quando fala de vinhos de mesa, mas erra totalmente quando ele e muitos outros enólogos falam do vinho brasileiro como não sendo de qualidade. Não é absolutamente verdade. Muitos tintos e espumantes brasileiros são de altíssima qualidade e podem competir tranquilamente com os grandes vinhos do mundo. Se existe uma deficiência no Brasil é que os brasileiros não acreditam nos vinhos nacionais. Eu sempre digo que se 50% do orgulho direcionado à seleção de futebol fosse investido em produtos agroalimentares brasileiros, sobretudo aos vinhos de qualidade, não haveria vinho suficiente para satisfazer toda a necessidade interna do país.
Pioneiro: O vinho brasileiro tem qualidade internacional?
Rabachino: O vinho brasileiro pode competir com todos os grandes vinhos importados do mundo. Há pelo menos quatro anos, escrevo e digo isso. O vinho brasileiro é um grande vinho. Obviamente não todos, mas tu achas que todos os vinhos italianos são bons? Vocês, brasileiros, têm um grande defeito. Eu circulei por todos os restaurantes de alta gastronomia no país. Sendo também jornalista, sou muito curioso, não olhava tanto a minha mesa, mas a dos outros. Onde estavam os brasileiros comendo, bebiam vinhos argentinos e chilenos. Onde estavam os estrangeiros, bebiam o vinho brasileiro.
Pioneiro: Hoje os chilenos e os argentinos representam mais da metade do mercado de vinhos consumidos no Brasil. Além da competitividade de preço, há razão para esse prestígio?
Rabachino: Não é apenas uma questão de qualidade ou de preço. É uma questão cultural. Hoje o vinho brasileiro é considerado para o consumidor interno um vinho de baixa qualidade. Qual é o motivo? Ainda não existe a cultura e a didática de beber no Brasil. Não existe o conhecimento técnico da degustação. O brasileiro não é burro, mas não tem a cultura do gosto de beber. Ele confia na cultura dos outros. Não há uma identidade. Mas isso está sendo criado. Nos últimos cinco anos, o Brasil está fazendo um percurso que na Itália levou 50 anos. Hoje, o futuro do mundo enológico é também no Brasil. Sobretudo no consumo. Graças aos cursos de formação e aos produtores brasileiros, que estão ganhando menos mas focando a qualidade.
Pioneiro: O senhor destacaria uma qualidade e um defeito do vinho nacional?
Rabachino: No Brasil há terreno, solo, água excepcionais. E para fazer um bom vinho é necessário todas essas coisas. Mas, principalmente, é necessário uma baixa produção por hectare. Outro ponto relevante é que as empresas importantes do Brasil estão mudando a geração de comando. O produtor que iniciou a atividade vitícola 30 anos atrás tinha uma cultura brasileira porque sempre circulou só no Brasil. Hoje, esses produtores têm filhos e eles não ficaram só por aqui, circularam pelo mundo inteiro. Esses jovens estão assumindo as empresas e essa mudança de geração também traz contribuições sobre a qualidade. A cultura deles é superior à de seus pais. Obviamente não por inteligência, mas por nível de conhecimento. O futuro enológico vive dessas duas passagens fundamentais: a tecnologia e o conhecimento. Esses dois fatores trarão somente vantagens ao vinho brasileiro. E não apenas do ponto de vista qualitativo, mas também econômico e social, porque elevará o status social desses agricultores. Não serão mais apenas trabalhadores da terra, serão empreendedores da terra.
Pioneiro: É possível o Brasil alcançar o status de produtor vinícola junto aos países reconhecidos mundialmente?
Rabachino: Isso é seguro. Posso tranquilamente citar 20 vinhos brasileiros, e não o farei por questões éticas, que teriam condições de competir com os tops de qualquer lugar do mundo. Sou promotor de todos os vinhos brasileiros.
Fonte: Jornal Pioneiro
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